quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Nietzsche e a Política Brasileira


Por Sandro Kobol Fornazari,

É muito comum que pessoas inteligentes e engajadas se refiram às elites brasileiras como as grandes responsáveis pelos problemas do subdesenvolvimento e os níveis de miséria e desigualdade social. Normalmente esta conclusão faz-se inferir das parcas qualidades morais dos ricaços: eles são mesquinhos, egoístas, sem responsabilidade social, insensíveis, etc.
Embora concordemos com o fato de que as elites são as principais responsáveis pela pobreza em que vivem dois terços dos brasileiros, consideramos um absurdo fazer essa responsabilidade derivar de uma deficiência moral coletiva por parte da elite brasileira. É uma ingenuidade pensar o poder a partir da moralidade, já dizia Maquiavel, e é realmente impossível não se render à evidência de que a característica básica da vida é a disputa, e esta talvez seja a contribuição que Nietzsche pode trazer para o pensamento político. Não se trata de uma disputa pela preservação, mas sim por algo mais, melhor, a luta de cada ser vivo por expandir sua potência cada vez mais e melhor. Numa disputa, mesmo os que são dominados, ao resistirem à dominação estão lutando, mesmo enquanto obedecem estão lutando até serem capazes de reunir forças suficientes para inverter a situação e se tornarem então dominantes.
Nesse sentido, as elites brasileiras levam a exploração a um patamar tão alto porque são extremamente eficientes em suas estratégias de dominação. São capazes, por exemplo, de inventar realidades de modo a que os dominados passem a acreditar não no que vêem de fato, mas naquilo em que assistem nos telejornais. São muito eficazes também em manter o sistema público de ensino a porcaria que é, emasculando cotidianamente alunos e professores através de sua estrutura burocrática e dos baixos salários e péssimas condições de trabalho.
Assim, é forçoso reconhecer que aqueles que se opõem às estruturas de poder são, em comparação com as elites, muito pouco eficientes. Quando um partido de oposição recorre às manchetes da Folha de São Paulo, por exemplo, o que está fazendo senão o jogo das elites, legitimando um dos mais fortes elos da dominação que é a imprensa conservadora? No entanto, a luta contra a exploração existe e vem ganhando força. As contradições estão cada vez mais presentes na vida das pessoas, tornando cada vez mais difícil a tarefa dos ideólogos do neoliberalismo.
É preciso, portanto, reconhecer que a sociedade brasileira é caracterizada pela disputa pelo poder, pelo jogo de forças ininterrupto entre os que participam das riquezas produzidas e os que estão excluídos dela. Não se trata de tentar educar os ricos ou convencê-los a explorarem em menor proporção ou desqualificá-los como moralmente abjetos. Trata-se sim de conquistar o direito de participar coletivamente e em igualdade dos frutos do trabalho humano.


*Sandro Kobol Fornazari é Mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), membro da comissão editorial dos Cadernos Nietzsche e professor de Filosofia na Universidade Estadual de Santa Catarina (skf@usp.br)

Um comentário:

  1. Muito interessante. Escrevi esse texto há quase dez anos, antes do Lula ser presidente, do PT chegar ao poder. Escrevi para uma revista virtual que pouco tempo depois acabou. Como esse texto sobreviveu, é um mistério para mim, mas parece que em sua maior parte ele ainda é atual... A foto que ele acompanha diz bem mais que ele.
    Vale dizer que não sou mais membro de nenhuma comissão editorial, nem professor da UDESC.
    Um abraço!

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