Por Altamiro Borges,
Para entender essa postura nociva e manipuladora vale a pena ler o didático livro de Pedrinho Guareschi e Osvaldo Biz, "Mídia, educação e cidadania", publicado pela Editora Vozes. Com fartura de dados, os autores destrincham a força adquirida pelos meios de comunicação nas últimas décadas, em decorrência dos avanços tecnológicos e do acelerado processo de monopolização do setor. Para eles, "a mídia tem, na contemporaneidade, o poder de instituir o que é, ou não, real". A partir da concepção burguesa de mundo, ela "cria e legitima valores" e determina a "agenda de discussão" na sociedade. "Ao redor de 80% dos temas falados no trânsito, trabalho, casa ou nos encontros sociais são colocados à disposição pela mídia".
No caso da televisão, principal veículo de comunicação na atualidade, esta força é implacável. "A média que o brasileiro fica diante da TV é de 3,9 horas diárias. Em algumas vilas periféricas que pesquisamos a média chega a seis horas e para as crianças, que os pais têm medo de deixar na rua, a nove horas diárias. É com esse personagem que nós passamos a nos relacionar, queiramos ou não, e que tem a ver com a constituição e a construção de nossa subjetividade. Ele é o único, praticamente, que fala; a relação de comunicação estabelecida é vertical, de cima para baixo... Já imaginaram o poder de tal personagem?". Para eles, este poder hoje tem enorme influência na discussão política e nos rumos de um país.
Cultura visual
Conforme alertam, hoje, a mídia é cada vez mais imagem, o que lhe dá enorme força de manipulação. "A preeminência da palavra, dos grandes relatos e também do discurso político tem sido, nos anos recentes, substituída pela imagem. Vivemos imersos numa cultura da imagem que altera as idéias que fazemos da política. Maria Rita Kehl analisa com sutileza o papel central que ela tem: ‘Diante da TV ligada, isto é, diante de um fluxo continuo de imagens que nos oferecem o puro gozo, não é necessário pensar. O pensamento é um trabalho e ninguém agüenta pensar (trabalhar) o tempo todo... Quanto mais o fluxo de imagens ocupa espaço na nossa vida real e na nossa vida psíquica, menos é convocado o pensamento’".
Os autores relatam os casos mais grotescos desta manipulação. Na sua ofensiva contra o bloco soviético, a TV divulgou imagens impressionantes de centenas de cadáveres alinhados sobre lençóis para provar a violência do regime de Nicolae Seausescu na Romênia. Alguns dias depois, no Natal de 1989, ele e sua esposa foram executados sem julgamento. "Entretanto, em janeiro de 1990, um jornal francês (Le Figaro) mostrou que aqueles mortos não tinham sido massacrados pelo governo deposto, mas desenterrados do cemitério e oferecidos à necrofilia da TV". Eles também descrevem as mentiras do governo George Bush para justificar a invasão do Iraque e alguns episódios marcantes da manipulação política recente no país.
Os donos da mídia
Um dos capítulos mais elucidativos do livro é o que trata da monopolização da mídia no Brasil. No caso do rádio, surgido em 1922 na forma de sociedades ou clubes, o processo de concentração é mais lento, mas a história registra o esforço do setor privado para evitar qualquer tipo de regulamentação pública. Já no caso da televisão, inaugurada em 1950 com a pré-estréia da TV Difusora, a monopolização é mais acelerada e totalmente avessa à interferência do Estado. Este processo ganhará impulso durante o regime militar, que aposta na concessão de canais para difundir suas realizações. O enorme poder da TV Globo, que surge de uma associação ilegal com o grupo estadunidense Time Life, será fruto direto da ditadura!
A trajetória da legislação sobre meios de comunicação é reveladora da ação lobista destes monopólios. A primeira lei sobre o setor foi aprovada em agosto de 1962 e, por seu caráter ultraliberal, João Goulart vetou 40 artigos. "O Congresso Nacional derrubou todos os vetos. Nunca havia acontecido nada igual na história do parlamento brasileiro. Estava aberto o caminho para a implantação do monopólio midiático no país", relatam. Já o decreto-lei 263, de fevereiro de 1967, procurou estabelecer algumas limitações aos monopólios, mas foi burlado com o beneplácito do próprio regime. Toda infra-estrutura de comunicação implantada neste período foi "entregue às empresas privadas sem o menor controle da sociedade".
Onda neoliberal
Como reflexo do avanço da luta pela democratização, a Constituinte de 1988 fez um esforço para deter esse poder que havia servido tão fielmente à ditadura. O artigo 220 da Constituição, por exemplo, afirma que "os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio". Já o artigo 222 diz que "a propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no país". Mas a maior parte destas normas reguladoras, entretanto, foi sabotada pela mídia ou jogada no lixo durante o reinado neoliberal de FHC.
Hoje o poder da mídia é descomunal, um verdadeiro atentado à democracia. Através de várias tabelas, os autores demonstram que atualmente apenas seis grupos controlam a televisão no Brasil. "Entre canais próprios e afiliados, eles representam 263 das 332 emissores brasileiras de TV". Somente a Globo detém 54% da audiência nacional e 53% do mercado publicitário. "No âmbito nacional, percebe-se uma grande concentração e isso se verifica também em âmbito regional. Essa questão é importante no referente à questão da democracia, pois em algumas cidades e regiões a mídia ‘fecha o cerco’ e apenas uma voz é veiculada. Muitos se referem a isso como um novo tipo de coronelismo, o eletrônico".
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Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro "As encruzilhadas do sindicalismo" (Editora Anita Garibaldi, segundo edição).
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