segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Direitos Humanos: Crise militar é artificial, segundo Ordem dos Advogados



Do jornal Valor Econômico

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva retorna hoje ao trabalho, depois de alguns dias de descanso, com a missão de apaziguar o conflito entre seus ministros em torno do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-III), que levou o titular da Defesa, Nelson Jobim (PMDB), e o secretário Nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannucchi, a ameaçarem deixar seus cargos. Ministros divergem sobre pontos do programa, como a investigação de crimes cometidos durante a ditadura. A proposta, no entanto, é apenas uma declaração de intenções, cujos pontos devem ser transformados em projetos de lei e aprovados pelo Congresso. O texto é amplo, abarca diferentes temas e traça diretrizes para o governo Lula que deverão ser usadas no balanço da gestão do presidente, que acaba neste ano.

A divulgação do programa, no fim de dezembro de 2009, colocou em campos opostos Vannuchi e o ministro da Justiça, Tarso Genro, ambos do PT, de um lado, e os pemedebistas Jobim e Reinhold Stephanes, ambos do PMDB, além dos comandantes militares, do outro. Uma das principais discordâncias é sobre a possibilidade de punição de ex-torturadores e a criação de uma Comissão da Verdade para examinar violações de direitos humanos durante o período militar. Contrário à comissão, o ministro da Defesa e comandantes militares disseram que poderão deixar os cargos se o item for mantido. Eles pediram, em contrapartida, que sejam apurados os crimes cometidos também pela esquerda armada. Já Vannucchi rebelou-se contra a possibilidade de mudança do texto e colocou seu cargo à disposição do presidente se o programa for modificado.

Hoje o presidente Lula participa de uma reunião de coordenação política com os ministros e deverá discutir a possibilidade de alteração no PNDH-III. Nos próximos dias, se reunirá com Jobim. Vannuchi deverá antecipar o fim de suas férias, previsto para sexta-feira, para conversar com o presidente. À tarde, Lula participa de cerimônia de sanção da lei que institui a Política Nacional e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e Reforma Agrária, e deverá encontrar-se com o ministro Stephanes.

A Secretaria de Direitos Humanos informou que as propostas do PNDH-III foram enviadas a todos os ministérios em julho e as pastas tiveram um mês para estudar o plano, registrar a opinião e fazer alterações. O programa incorporou ações já em andamento, como as câmaras de conciliação de conflitos no campo, além de propostas aprovadas em conferências de Direitos Humanos desde 2003. A mediação de conflito no campo já havia sido idealizada, de forma genérica, na PNDH-II, elaborado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O texto não coloca em debate a Lei de Anistia. Segundo a secretaria, o questionamento da abrangência da lei sobre os crimes de tortura está no Supremo Tribunal Federal (STF) e não é a ideia do governo discutir o que já foi encaminhado para lá.

Ontem, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou uma nota em favor de Vannucchi e defendendo que “quem torturou tem que pagar pelo crime”. “Quem censurou, quem prendeu sem ordem judicial, quem cassou mandatos e quem apoiou a ditadura militar está anistiado. No entanto, quem torturou, cometeu crime de lesa-humanidade e deve ser punido pelo Estado como quer a nossa Constituição”, defendeu o presidente da entidade, Cezar Britto. O presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, pediu a demissão do o ministro de Jobim e dos chefes militares. Para Damous, “diversas áreas historicamente ligadas ao golpe de 64 tentam criar uma crise artificial” num país “que vive a sua plenitude democrática”. Para ele, o decreto criando a Comissão Nacional da Verdade está tendo o seu conteúdo deliberadamente distorcido para alimentar a suposta crise.

A OAB reforçou a pressão sobre o STF para que o tribunal interprete o primeiro artigo da Lei da Anistia, de 1979, e declare que ela não se aplica aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra os opositores políticos, no período da ditadura militar. A entidade ingressou com a ação na Suprema Corte em outubro de 2008, mas o pedido está parado nas mãos do relator Eros Grau. A OAB intensificou a coleta de assinaturas para o Manifesto Contra a Anistia aos Torturadores para neutralizar as pressões feitas contra a criação da Comissão Nacional da Verdade. O cantor e compositor Chico Buarque e o jornalista e escritor Fernando Morais assinaram o manifesto. As assinaturas serão enviadas ao ministro Eros Grau.

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