terça-feira, 15 de dezembro de 2009

"Um bom médico não precisa de lei regulamentando seu papel: ele o conhece"



Claudia Meirelles opina sobre atos médicos

Ao tentar buscar opiniões sobre o ato médico, achei situações interessantes: de um lado, os médicos, de outro, todo o resto! Isso não é legitimar profissão de ninguém, sinto muito.

Esse projeto do ato médico, na verdade, está tentando, de forma tola e incisiva, garantir o que os médicos, na prática estão perdendo há muito tempo: espaço.

Sim, eu sou médica. Minha família tem médicos, minha filha quer ser médica. Mas sou contra esse projeto de lei e não me envergonho em declarar que hoje, o papel do médico, na prática beira muitas vezes apenas um monopólio de mercado, cerceado pelo poder.

O médico é uma figura impar na vida das pessoas: rejeição quase zero, entra na casa das pessoas, dita regras, tira a roupa, muda hábitos, desconstrói vilões, alimenta segurança velada e branca. Um bom médico não precisa de lei regulamentando seu papel: ele o conhece. E não tem medo de dividir esse conhecimento para promover, prevenir, curar doenças.

O papel de outras profissões, igualmente legitimas na área da saúde, só melhora essa integralidade de cuidados, de troca de conhecimentos, de relação sustentada. Não se constrói um sistema eficiente de saúde (pública ou privada) somente monopolizando o poder do médico. Ao contrário.

O médico que quiser fazer TUDO o que esse projeto de lei regulamenta como ato médico deve voltar à universidade e estudar mais meio século. Do mesmo modo como a medicina evoluiu, incorporou tecnologia e conhecimento, outras profissões correram em paralelo, seguindo o mesmo fluxo.

O problema da medicina hoje são os médicos prostituídos em plantões exaustivos, que não gastam tempo suficiente pra exercer seu papel. Ontem mesmo atendi, como gestora, um senhor que já tinha passado 4 (quatro!!!!!) vezes no pronto socorro com dores de estomago fortíssimas, com prescrições semelhantes, terminadas em uma endoscopia de urgência e ao tentar entender o que estava acontecendo, cheguei numa prescrição anterior de anti-inflamatório e antibiótico para dor de garganta que havia provocado essa dor (e nenhum médico do pronto socorro abordou isso). Esse paciente gastou dinheiro comprando o mesmo remédio pra dor de estomago com nomes diferentes e não melhorava. Ele quase chorava de tanta dor. Isso é ato médico?

Como gestora, ainda testemunho uma eterna dificuldade de fazer médico cumprir horário. Antes, era por conta da baixa remuneração. Ajustado esse parâmetro, não consigo da mesma forma. Ou seja, o sistema de saúde que atende milhões de pessoas no país tem a figura do médico por curtos espaços de tempo, em consultas vapt-vupt, sem integralidade, compromisso, vínculo e resolutividade.

Atenção básica de saúde? Fórum permanente, “carne de pescoço”, problema sem fim. Temos milhares de médicos “au-au”. Atendem o paciente e encaminham pra um especialista: ao “dermatologista” (para tratar micose), ao “endocrinologista” (para tratar acne) e ao “ginecologista” (para pegar pílula).

Porque nosso legislativo, tão imponente não gasta seu tempo tentando de verdade resolver o problema médico do pais? É preciso ainda garantir que SÓ o médico tem direitos “nosológicos”?

Na prática, vemos enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais e muitos outros profissionais que remendam o sistema, dando “colo” aos pacientes e resolvendo MESMO grandes problemas.

Porque o movimento não pode ser inverso? Regulamente os bons profissionais (de qualquer área), regulamente o compromisso, melhore o financiamento da saúde, dê a cara pra bater.

Esse projeto de “ato médico” não beneficia os médicos. E se beneficiar, desafio publicamente alguém dizer aqui, nesta coluna qual é o beneficio! Desafio também alguém a me esclarecer se bater 1 bilhão de consultas ao ano, no SUS é meta cumprida de assistência à saúde; se fazer mais de meio milhão de exames ao ano é esclarecer e ampliar indicadores de modo efetivo. Estamos mesmo construindo resolutividade no sistema?

Isso me cansa, confesso. É um desabafo. Sou médica. Quero de verdade, ser mais remédio do que doença na vida das pessoas. Sou contra qualquer “canetada” monopolizadora para a Medicina. Isso vai desde “cotas por cor de pele” para vagas no vestibular até o ato medico dessa forma.

Mas não pensem que enlouqueci. Apenas exerço a medicina de forma mais descentralizada e integrativa.

No caminho das pedras, encontrei grandes e inesquecíveis parceiros médicos, mas também aprendi muito, muito mesmo com outros profissionais, que não merecem neste instante um retrocesso e uma desqualificação do lugar que conquistaram no universo da Saúde - com muito sangue, suor & lágrimas...

ENTRE AQUI E VOTE CONTRA, na enquete do Senado sobre o Ato Medí(co)ocre

Claudia Meirelles é Mestranda em Políticas de Saúde Pública, ex-gestora de Itu, Cabeúva e Gestora de Saúde de Porto Feliz.

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